segunda-feira, 6 de agosto de 2012


Minha viola e eu - Zé Côco do Riachão

Um filme realizado pelo cineasta Waldir de Pina em homenagem a trajetória de um genial luthier, compositor, violeiro e rabequeiro que faria cem anos em 2012. O curta apresenta uma breve narrativa sobre este músico nascido em Riachão, norte de Minas localidade próxima de Montes Claros. O violeiro conta que nasceu numa noite de 1° de janeiro no momento em que a casa de seus pais era visitada por uma Folia de Reis. Segundo ele esse acontecimento foi determinante para que a partir dos oito anos e pelo resto de sua vida tenha se dedicado a tocar viola e participar desta celebraçãoo típica de nossas raízes caipiras - a tradição da Folia que remonta segundo historiadores à idade média no mundo ibérico, tendo chegado ao Brasil com o povo dos Açores no século XVI.
Um belo e tocante depoimento na própria voz do artista e sua viola ponteada, onde nos é revelado com grande sensibilidade e fotografia de uma luz encantadora, aspectos do contexto da vida rural de um Brasil que hoje para muita gente é apenas memória distante. Quem conheceu aqueles quintais com galinhas ciscando soltas e as dezenas de árvores frutíferas habitadas por passarinhos onde a meninada subia pra pegar jabuticaba, pitanga, goiaba, carambola, amora, manga e caju. O arroz plantado na roça perto de casa e descascado no pilão. Lembrança dos ribeirões de águas claras para os banhos alegres da molecada e os encontros amorosos. O gemido dolente dos carros de boi e alguns dos muitos segredos de sua construção. O trabalho artesanal da cerâmica e da cestaria de taquara. Os mutirões pra plantio e pra construção de casas, as festas comunitárias e a economia solidária que resiste ainda hoje na tradição das Folias por todo Brasil. Ô saudade! Talvez se possa dizer que mesmo com tanto trabalho a gente era mais feliz.

Darcy Ribeiro em sua obra O Povo Brasileiro, destaca o mundo caipira na formação do Brasil como uma importante matriz geradora - herança dos bandeirantes em suas andanças pelo sertão em busca do ouro e de seu encontro com nossa outra matriz étnica - as sociedades indígenas. Hoje que devido ao desencanto com a idéia de progresso que nos foi imposto somos instigados a um distanciamento desta civilização mercantilista e predadora do meio natural, podemos ter um outro olhar, menos depreciativo para o contexto do homem do mundo rural. Nossos antepassados, avós, parentes que vieram deste mundo devem ser acolhidos e compreendidos como tendo uma cultura genuína, de muito valor apesar da pouca escolaridade de alguns ou da linguagem e sotaque diferente da cidade. São pessoas que tem uma experiência de vida extremamente diversificada, laboriosa e importante, afinal produzem o alimento que comemos nos grandes centros. Refletir a respeito deste belo filme pode ser uma excelente oportunidade de fazer esta necessária reavaliação de nossa história e um excelente recurso didático, para alguns mais impactados pelo choque cultural das cidades até mesmo terapêutico.
 
Além de músico, Zé Côco teve ao longo da vida diversas profissões, como era comum  entre os nossos antepassados da roça: foi sapateiro, marceneiro, fazedor de carro de boi, porteiras de sítio, cancela, engenho de cana, curral, roda d’água e demais artefatos de madeira tão necessários à vida nas fazendas e lugarejos do interior. Isso sem ter perdido o talento para a poesia e para a manifestação da beleza, o que pode ser percebido nas suas composições e na forma dos instrumentos que construía, violas e rabecas com entalhes de madeira e desenho primoroso.

Romulo Pintoandrade

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